Concurso Uma Aventura...Literária 2021

 Concurso Uma Aventura...Literária 2021 - Menção Honrosa


Texto Original

PARABÉNS
Ricardo Rocha, do 7.ºC!

O Velho Raposão

Lá estava ele a passear com o seu desbotado guarda-chuva. Cauda parda, botas e orelhas negras, focinho arrebitado e branco de bigodes vulpinos. Varria o chão por onde passava com a sua cauda felpuda. Percorria a mata num passo lento e cauteloso, não fosse ele encontrar um coelhinho.

Não tinha propriamente um nome, pois era conhecido como o Velho Raposão. Havia tido bastante sucesso em vida visto que dispunha de várias moradias, mas não passava de um rico burguês que todos temiam, incluindo o rei da floresta.

Enquanto passeava, encontrou-se com um jovem javali, que rebolava na pruma. O desgraçado do porco nem se apercebeu que o ancião o observava. A certa altura, o raposão decidiu falar-lhe:

- Está um bom dia para nos sujarmos! Não é, porquinho?

O javali, surpreso por não ter reparado na presença deste, respondeu-lhe:

- Bom dia, senhor! Sabe, é que estou com uma comichão terrível no meu pescoço desde que fui ao nosso vizinho Espanha…

- Então é isso…- pronunciou-se, interessado.

- Sim, Excelência!

O velho continuou o seu passeio pelo matagal e rapidamente desapareceu na folhagem. Dirigiu-se para a sua toca oficial. Não pensem que era um buraco escuro, imundo e fedorento, pois não era; era sim uma moradia que se preze. Era isolada do resto do reino e tinha lá a mais bela mobília, louça, pintura, comida, tudo entre um chão e teto de madeira.

Sentou-se na sua poltrona escarlate, entre uma janela e a lareira, e pôs-se a contemplar o vazio da sua sala de estar. Porém, cansou-se rapidamente e começou a ler um livro de bolso.

Pela calada da noite, bateram à porta do aprisco. O raposo deparou-se então com Colombo, o corvo encarregado de revelar as “notícias” de última hora.

- Boa tarde, vossemecê. Venho informá-lo de que, por ordem do rei Corso, teremos de permanecer nas nossas residências, porque anda a circular uma espécie de gripe que infeta todo o tipo de seres. Se tiver algum sintoma, escreva ao curandeiro da sua zona territorial. -informou-o a ave com uma certa preocupação.

- Muito bem!

E fechou a porta no bico do corvo.

O raposão assim cumpriu. No entanto, por vezes, olhava para além da janela da sua casa e via pequenos grupos a festejar o aniversário de alguém, ou batizados, ou comunhões, enfim, coisas muito pouco corretas. O que é certo é que o velhote só saía do antro para caçar.

Houve várias vagas da praga, mas nenhuma chegou a atormentar o raposo. Mais tarde, soube-se que não só prejudicava o bicho; também poderia matar. Como a primeira criatura a falecer deste mal foi uma rola, a doença foi chamada de gripe das Aves. Todos receavam que o que acontecera à rola igualmente lhes sucedesse.

Na primavera, uma andorinha resolveu ficar pelo reino de Portugal. Ela contou histórias vividas até chegar a este país, referindo que havia passado por Itália e que a peste tinha começado naquela república, na bela cidade de Veneza.

O velho senhor continuava no luxo da sua moradia, mas outros não tinham a mesma sorte. Devido à epidemia, muitos perderam os seus negócios. As andorinhas não permaneceram no verão. As clareiras e prados, repletos de papoilas, lírios, narcisos, dentes-de-leão, estavam vazios.

- O rei não sabe pôr mão no bicho! – bradavam os republicanos pelas florestas e vales.

O jornal diário do reino falava nas crises com que os boticários lidavam nos seus lares.

O raposão, que agora era raposinho, uma vez que agora era ainda mais velho do que era, já não se levantava do seu leito. Contudo, nada o impedia de se levantar uma vez por dia para se sentar no seu cadeirão encarnado e daí olhar para o alargado horizonte, sendo que a toca era no alto de um monte.

Passou o tempo e o povo já se cansava da praga… No final de quase dois anos, acabaram por desenvolver a dita isenção. Os ratos que vinham da cidade de férias contaram que o bicho-homem não tinha sido afetado pela doença e as corujas e os bufos estudavam essa situação tão intrigante.

Após três semanas sem se ver o velho raposão à janela, um grupo de animais resolveu entrar no aprisco. Desafortunado, o raposão já nem raposão era; era pura e simplesmente um corpo peludo. O pobre coitado batera as botas durante o seu confinamento. Os olhos e caras das criaturas empalideceram. Uns sentiam culpa, tristeza e mágoa; outros uma certa felicidade.

Se calhar, deva agora referir o desejo do canídeo. Embora solitário, maldoso e ladino, o desejo do velho raposão era que, quando morresse, estivesse rodeado de amigos e velhos companheiros. Porém, por causa da doença e da má gerência da praga, morreu solitário e sem o seu sonho se realizar.

                                                                                              Ricardo Rocha - 7ºC

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