Concurso Uma Aventura...Literária 2021 - Menção Honrosa
Texto Original
O Velho Raposão
Lá estava ele a passear com o seu
desbotado guarda-chuva. Cauda parda, botas e orelhas negras, focinho arrebitado
e branco de bigodes vulpinos. Varria o chão por onde passava com a sua cauda
felpuda. Percorria a mata num passo lento e cauteloso, não fosse ele encontrar
um coelhinho.
Não tinha propriamente um nome, pois
era conhecido como o Velho Raposão. Havia tido bastante sucesso em vida visto
que dispunha de várias moradias, mas não passava de um rico burguês que todos
temiam, incluindo o rei da floresta.
Enquanto passeava, encontrou-se com um
jovem javali, que rebolava na pruma. O desgraçado do porco nem se apercebeu que
o ancião o observava. A certa altura, o raposão decidiu falar-lhe:
- Está um bom dia para nos sujarmos! Não
é, porquinho?
O javali, surpreso por não ter
reparado na presença deste, respondeu-lhe:
- Bom dia, senhor! Sabe, é que estou
com uma comichão terrível no meu pescoço desde que fui ao nosso vizinho
Espanha…
- Então é isso…- pronunciou-se,
interessado.
- Sim, Excelência!
O velho continuou o seu passeio pelo
matagal e rapidamente desapareceu na folhagem. Dirigiu-se para a sua toca
oficial. Não pensem que era um buraco escuro, imundo e fedorento, pois não era;
era sim uma moradia que se preze. Era isolada do resto do reino e tinha lá a
mais bela mobília, louça, pintura, comida, tudo entre um chão e teto de
madeira.
Sentou-se na sua poltrona escarlate,
entre uma janela e a lareira, e pôs-se a contemplar o vazio da sua sala de
estar. Porém, cansou-se rapidamente e começou a ler um livro de bolso.
Pela calada da noite, bateram à porta
do aprisco. O raposo deparou-se então com Colombo, o corvo encarregado de
revelar as “notícias” de última hora.
- Boa tarde, vossemecê. Venho informá-lo
de que, por ordem do rei Corso, teremos de permanecer nas nossas residências,
porque anda a circular uma espécie de gripe que infeta todo o tipo de seres. Se
tiver algum sintoma, escreva ao curandeiro da sua zona territorial. -informou-o
a ave com uma certa preocupação.
- Muito bem!
E fechou a porta
no bico do corvo.
O raposão assim cumpriu. No entanto,
por vezes, olhava para além da janela da sua casa e via pequenos grupos a
festejar o aniversário de alguém, ou batizados, ou comunhões, enfim, coisas
muito pouco corretas. O que é certo é que o velhote só saía do antro para
caçar.
Houve várias vagas da praga, mas
nenhuma chegou a atormentar o raposo. Mais tarde, soube-se que não só
prejudicava o bicho; também poderia matar. Como a primeira criatura a falecer
deste mal foi uma rola, a doença foi chamada de gripe das Aves. Todos receavam
que o que acontecera à rola igualmente lhes sucedesse.
Na primavera, uma andorinha resolveu
ficar pelo reino de Portugal. Ela contou histórias vividas até chegar a este
país, referindo que havia passado por Itália e que a peste tinha começado
naquela república, na bela cidade de Veneza.
O velho senhor continuava no luxo da
sua moradia, mas outros não tinham a mesma sorte. Devido à epidemia, muitos
perderam os seus negócios. As andorinhas não permaneceram no verão. As clareiras
e prados, repletos de papoilas, lírios, narcisos, dentes-de-leão, estavam
vazios.
- O rei não sabe pôr mão no bicho! –
bradavam os republicanos pelas florestas e vales.
O jornal diário do reino falava nas
crises com que os boticários lidavam nos seus lares.
O raposão, que agora era raposinho,
uma vez que agora era ainda mais velho do que era, já não se levantava do seu leito.
Contudo, nada o impedia de se levantar uma vez por dia para se sentar no seu cadeirão encarnado e daí olhar
para o alargado horizonte, sendo que a toca era no alto de um monte.
Passou o tempo e o povo já se cansava
da praga… No final de quase dois anos, acabaram por desenvolver a dita isenção.
Os ratos que vinham da cidade de férias contaram que o bicho-homem não tinha
sido afetado pela doença e as corujas e os bufos estudavam essa situação tão
intrigante.
Após três semanas sem se ver o velho
raposão à janela, um grupo de animais resolveu entrar no aprisco. Desafortunado,
o raposão já nem raposão era; era pura e simplesmente um corpo peludo. O pobre
coitado batera as botas durante o seu confinamento. Os olhos e caras das
criaturas empalideceram. Uns sentiam culpa, tristeza e mágoa; outros uma certa
felicidade.
Se calhar, deva agora referir o desejo
do canídeo. Embora solitário, maldoso e ladino, o desejo do velho raposão era
que, quando morresse, estivesse rodeado de amigos e velhos companheiros. Porém,
por causa da doença e da má gerência da praga, morreu solitário e sem o seu
sonho se realizar.
Ricardo
Rocha - 7ºC
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