Prólogo

 

(Aproxima-se da boca de cena o Diabo de Gil Vicente, majestoso e imponente. Vem de semblante melancólico, como quem lhe pesa já da anacrónica tarefa.)

Diabo: São decorridos já cinco longos séculos desde que certo Gil, que não tinha nem ceitil, decidiu castigar os costumes do seu tempo, fazendo rir o Venturoso rei de Portugal e a sua corte de damas opulentas. Não sei que professorzito, que corre atrás do prejuízo e que se esfarrapa para mostrar evidências tardias, levou os seus alunos a trazerem-me de novo a este temeroso cais.

Pois, têm razão, parece que ninguém mais o teme já. Desde que certo Darwin, ele próprio com longes de símio, decretou que o Homem descendia do macaco, adeus medo ao Inferno. Adeus aos bons tempos da minha glória. A sem-vergonha instalou-se e campeia desenfreada. Mesmo ali o das asas branquinhas não é o mesmo. Desconfio que é uma Ângela, pelos olhares gulosos que atira aos meus músculos potentes e luzidios. Bem dizia certa personagem do vosso Eça, a uma certa Adeliazinha adúltera: “Minha porca, até o Diabo te serve?”

Ai que não serve! Aqui onde me veem parece que os quinhentos anos não passaram por  mim. Só esta barca me desagrada, tão antiquada, tão feia, tão gasta… Tamanha é a crise que chegou ao Além… Ainda se enviou um pedido ao excêntrico do Elon Musk, com a promessa de tratamento especial, mas ele prefere antes o sonho espacial – que não podia, que queria chegar a Marte… Está bem, que sonhe, que a Morte também lhe há de chegar…

Para mais, vejam ali aquele fedelho mafarriquelho, sentado na barca a esgaravatar não sei em que geringonça que emite uns sons e umas imagens como nunca vi em milénios da minha vida. O meu companheiro dos tempos do velho Gil subiu na carreira: baba-se todo a dar palmadas no rabo de professoras primárias violentas com os seus pupilos. Anda agora com o pau todo, como vocês costumam dizer, sempre enrolado com a Florença do Frade. Mas este, honra lhe seja, atira-se-lhe de espada em punho – ora sus, demos caçada! -  mais cioso do que um sultão turco do seu harém. Entorna-se a panela do óleo a ferver com que o está a pingar um outro diabrete, e nem vos digo, é um verdadeiro inferno. Mas reparem lá neste diabrete:

Diabo: Que fazes tu, barzoneiro, levanta má-hora esse cu!

Diabrete: Ó stor, deixe-me só postar um like!

Diabo: Apostar na Laica? Mas que julgas tu, meu mafarriquete? Achas que estás numa casa de apostas, ou então na escola onde os professores te preparavam a papinha toda? (Dá-lhe uma pancada com um remo.)  Aqui tens a ritalina, meu grande mandrião, aqui tens os calmantes! Faz essa poja lesta, atesa aquele palanco!

Diabrete: Mas o que é isso, stor? Posso ir ver ao Google?

Diabo: Ver ao quê? Estou mesmo fora da jogada. Preciso de meter baixa à espera da reforma… Mas coitadito do mafarriquito, tão novo e eu tão desatualizado… Acho que tenho mesmo de lhe fazer adequações curriculares!

De qualquer modo, tudo isto é uma alegoria - os vícios humanos, debaixo duma camada superficial, com renovada roupagem, são sempre os mesmos. Sempre os mesmos sonhos, as mesmas ilusões, os mesmos enganos e desenganos… Só o fim é que é o mesmo, pois –

no ponto que acabamos de espirar, chegamos supitamente a um rio, o qual per força havemos de passar em um de dous batéis que naquele porto estão, scilicet, um deles passa pera o paraíso e o outro pera o inferno

Aventurem-se também vocês nesta viagem e riam-se. Riam-se enquanto podem…

 

O Político

(Entra um político corrupto carregado de pertences…)

Dirige-se ao anjo:

Político - Hou da barca!

Anjo - Eu não sei quem te cá traz.

Político - Nelson Paes. Santo Anjo, para onde me levais?

Anjo - Comigo não ireis vós embarcar por todos os males que fizestes.

Político - Ahm?! Que fiz eu de errado?

Anjo - Roubou o capital do seu povo como um grande burlão. Por conseguinte, neste batel não entrais.

Político - Como queiras, procurarei eu outro, então.

(Nelson Paes avista outra barca e dirige-se até ela…)

Diabo - Olha quem vem lá! Se não é Nelson Paes, o mais venerado de todos os políticos! Entrai logo p’ra cá que não tendes outro caminho a seguir, já que o Anjinho de Pau Oco não te vendeu o bilhete para o seu barquinho. Hehehe.

Político - E para onde se dirige esta outra barca tão maltratada?

Diabo - Para a terra onde te esperam indivíduos tão poderosos como tu, meu senhor…

Político - Tão cínico que este cornudo me saiu, aí dentro não irei eu pôr nem a ponta dos meus pés. Prefiro ficar aqui a pairar do que ser um dos teus sacrificados.

Diabo - HAHAHA! Estou a ver que tenho aqui um banana, que ainda não percebeu que o seu destino está definido. Não empates mais e salta para perto de mim.

(Nelson Paes, sem opção, acaba por ser arrastado para o batel infernal.)

 

Grupo: Gabriel, Tânia e Tiago

  

Político

(Entra o político com um saco de dinheiro às costas e dirige-se ao anjo)

Político – Ó da barca!

Anjo – Quem vem lá?

Político – Não sabeis quem sou? Não aguardáveis por mim? O meu lugar está reservado na barca divina desde o momento que nasci.

Anjo – Mentiras! Ninguém nasce com lugar no paraíso. Agora vejo quem sois… Com essa presunção e vaidade… José Mendonça é vosso nome. Mas no batel que protejo não há espaço para deslealdade e mentira.

Político – Mas o que insinuais? O atrevimento que revelais é realmente admirável, mas devo dizer que posso desgraçar a vida de qualquer um com o poder que tenho.

Anjo – Não sejais tolo. Aqui, o poder não vale nada e nesta barca não tocareis. Ide pedir entrada noutro batel.

(O político dirige-se ao arrais do inferno)

Diabo – José Mendonça! Quanta honra! Porquê a demora?

Político – O sujeito de vestido branco não me deixou vir mais cedo. Ainda há espaço para mim nesse batel moribundo?

Diabo – Que pergunta tola que fazeis! Claro que há espaço para vossa beldade neste batel moribundo!

Político – E esta barca tem o mesmo destino que a outra?

Diabo – Não. Tem um destino muito melhor.

Político – Mas que lugar será melhor que o paraíso?

Diabo – Basta olhar para a minha tripulação e já se vê que o submundo é muito melhor do que o lugar entediante onde aquele anjo arrogante vive.

(o político repara na presença de Brísida Vaz)

Político – Aaaah, agora entendo o que quereis dizer com tripulação. Brísida Vaz, o que fazeis aqui? Viestes atrás de mim?

Alcoviteira – Eu? Nunca iria atrás de tal aberração! Os tempos que vivemos são águas passadas.

Político – Mal-agradecida… Nem o dinheiro que vos ofereci em vida tornou a vossa pessoa mais amável. Devíeis ter aceitado o dinheiro em troca dos vossos serviços…

Alcoviteira – Sim… dinheiro que não vos pertencia. Eu não aceito dinheiro roubado e nem quero ser o motivo do desgosto de vossa esposa. Pobre criatura sofredora…

Político – Mas o que é isto? Será que não há aqui pelo menos uma alma que me respeite?

Alcoviteira - Alma jumenta que vós sois… Neste batel não há respeito por aquele que limpa o cu ao dinheiro do povo e põe os cornos na mulher. Eu não presto serviços a ladrões mentirosos. Eu também sou do povo, meu senhor, e lembro-me bem das falsas promessas que fizestes.

Político – Mais mentiras! Eu fiz de tudo pelo bem do meu povo!

Alcoviteira – Sai da minha vista! Não quero ver o vosso focinho malparecido.

(o Diabo arrasta o político para dentro do batel infernal, enquanto este tenta resistir)

Diabo – Chega de conversa! Vem comigo José Mendonça… Vamos nos divertir tanto! Ahahaahaha.

Político – Desgraçados ingratos! Hão de me pagar!

(Assim, José Mendonça vive no inferno para toda a eternidade)

 

Grupo: Beatriz, Simão e Tomás


Amiga da Onça

Vem a Amiga da Onça, dirigindo-se à barca da Glória. Esta é interrompida pelo Arrais do Inferno:

Diabo        Para aí! Para onde vais?

A. Onça     Para a barca da Glória,

                   Para onde mais eu iria?

Parvo        Já tu não sabes quem és?

A. Onça    Não sabeis vós?

                   Eu sou a Amiga da Onça,

                   bela demais para entrar naquela geringonça.

 

Diabo        Geringonça qual quê?!

                   Se te achas tão formosa,

                   como podes tu ter

                   uma alma deveras horrorosa?

                   Em verdade te digo:

                   no fim do juízo final

                   entrarás no batel

                   de que sempre falaste mal!

 

A. Onça     HAHAHAHAHAHA!...

                  

A Amiga da Onça, dando as costas ao Diabo, segue o seu caminho até à barca do Anjo

 

A. Onça      Ó grandioso Anjo salvador!

                     A minha luz e salvação!

                     Uma só coisa lhe peço:

                     leve-me consigo, por favor,

                     e salve-me do opressor.

 

Parvo          “Leve-me consigo, por favor”

                      Onde já se viu tamanha interesseira?!

                      Deve ter perdido a memória

                      devido àquela caganeira.

 

A. Onça        Cornudo sejas, seu comedor de varejas!

                      Ó da barca da Glória!

                      Tu que és o meu amparo,

                      não desvies de mim o teu rosto,

                      não me dês tamanho desgosto.

                      Não me entregues ao Pecador.

Anjo              Neste batel divinal

                       não entram almas de mal.

                       Escrita estás, no entanto,

                       no caderno das ementas infernais.

                       Sabemos que em plena vida terrena,

                       os teus instintos naturais

                       eram o ódio e a ganância,

                       tais aspetos que te prendiam

                       nessa teia de ignorância.

 

Parvo             Xô, xô que já vais tarde!

                       A barca dos danados te espera,

                       para te levar a ti e ao teu cu covarde

                       para bem longe desta merda.

 

 

A Amiga da Onça, exausta e resignada, cede ao conselho do Parvo e dirige-se à barca infernal.

 

Diabo             Agora vem ela lá,

                        com o rabo entre as pernas.

                        Entra, entra!

                        Não nos detenhamos mais,

                        cumpra-se a vossa sentença

                        e abandonemos este cais.

 

Grupo: Ana, André Dinis e Mónica.

 


A Terrorista

O ambiente no purgatório era tenso com almas ansiosas e receosas para saber o seu destino.

Vem uma terrorista de terno preto, cara tapada com um lenço negro, uma bomba na mão e de arma às costas.

DIABO- Vinde, vinde, entrai para o maior dos paraísos. Sois todos bem-vindos!

TERRORISTA- Que algazarra venha a ser esta? Quem sois vós, tão cornudo?

DIABO- Algazarra? Pensais que sois quem? Cornudo, eu? (rindo ironicamente)

TERRORISTA- Eu, Andreia Dias, uma das mulheres mais temidas de todo o mundo, ajoelha-te perante mim, seu imundo!

DIABO- Olhai para vós, com esse cano às costas e essa bolinha na mão, é para brincar com o timon e fazer pumba?

TERRORISTA- Calai-vos! Parai de zombar de mim. Já matei mais de uma centena de pessoas, em nome de Alá. E vós? Sois um desgraçado sem respeito!

DIABO- Deixai-vos de conversa e entrai na barca para a ilha perversa.

TERRORISTA- De que estais a falar vós?

DIABO- Do lugar mais sombrio, onde vagueiam almas condenadas às chamas.

TERRORISTA- Recuso-me a embarcar neste batel infernal! Não há outro navio funcional? (A terrorista olha em volta à procura de outra barca até que avista um ser num outro navio com vestes brancas e dirige-se a ele)

TERRORISTA- Ó da barca. (gritando) Para onde ides vós?

ANJO- Que quereis?

TERRORISTA- Será esta a barca para o paraíso?

ANJO- É sim.

TERRORISTA- Então penso que tenha um lugar para eu embarcar.

ANJO- Aqui não se embarca malfeitores.

TERRORISTA- Então certamente poderei entrar neste batel divinal.

ANJO- Recuso-me a levar-te para a terra divina. Esse lenço negro carrega o sangue de pessoas inocentes.

TERRORISTA- Como te atreves a insinuar tal atrocidade? Tu com essas luzes de natal, já mais poderás ser alguém divinal.

ANJO- Chega de conversa banal, volta para o batel infernal!

DIABO- À BARCA! Despachai-vos seus inúteis, estamos prestes a partir. (A Terrorista cabisbaixa aceita a decisão do Anjo e dirige-se frustrada à barca do Diabo. Os navios partem para os seus respetivos destinos)                 Grupo: Ana Filipa, André Dias, Leticia

Jaqueline Rousse, O Travesti

O cais do Além encontra-se silencioso, enquanto isso o Diabo espera por novos passageiros para a sua barca. Repentinamente, aparece ao longe um ser não identificado.

Diabo – Avisto algo ao longe que até o meu cérebro para - eu estou a ver bem, ou é algo de vestido e barba na cara?

Travesti – Na sua barca eu vou embarcar, gosto de conversar, espero que o senhor não seja mudo... Não sei o que aconteceu na Terra mas você com esses cornos de certeza que foi cornudo.

Enquanto isso, o Diabo encontra-se paralisado e boquiaberto.

Travesti – O senhor não vai falar? Eu cá, Jaqueline Rousse, até me admira, sendo o meu corpo uma boa peça. Você não deve querer falar comigo, porque tem medo de ficar com mais peso na cabeça.

Diabo – Tenho mais que fazer do que aturar bichonas! Eu sou o Diabo, do Inferno sei muito mais que tu; então cale sua boca ou naquele mastro enfio o seu cu.

Travesti – Paixão por mim eu sei que tu sentes, não me importo de ir para o Inferno, consigo amarei ter climas quentes.

Diabo – Tu conseguiste-me irritar, para a humanidade é uma grande marca, experimenta ir ao meu amigo ali na outra barca.

Travesti - Aiii! Tão pouca sensibilidade… Olhe que eu vou mesmo. Tenho a certeza que vou deixar saudade.

O Diabo vira as costas ao Travesti. Travesti assim dirige-se com pouca esperança para a barca do Anjo.

Travesti (cantando) – E roda… E roda… E roda… Agora vou ter com o anjinho que está de vestido branco, fora de moda.

Anjo – O senhor sabe bem que não vai entrar, este traje que você criticou não é para lhe agradar. No Inferno você pagará pelos seus pecados, todos os portões do Céu para você estão fechados.

Travesti – Que senhor qual quê, espero que esse pensamento fique contido! Eu vou entrar sim, Jesus andava com 12 homens atrás dele, e de vestido!

O Anjo desconsidera o que Jaqueline diz, voltando-lhe as costas.

Travesti – Duas barcas enormes para me levar, e nenhuma delas me aceita embarcar.

Diabo e Anjo (em sincronia) – Pela primeira vez temos de concordar, este no purgatório vai ficar.

Assim, a alma de Jaqueline Rousse fica a vaguear eternamente pelo purgatório.

Grupo: Alexandre, Carolina e Leonardo


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